Como os gênios da Matemática de Alagoas podem ajudar a elevar nossos indicadores de Educação

Agendaa 26 de abril de 2017

Por Rodrigo Cavalcante

Manfredo Perdigão do Carmo, Elon Lages Lima, Hilário Alencar.

Você pode nunca ter ouvido falar nos alagoanos acima – mas, no mundo da Matemática, eles são pioneiros que conquistaram não apenas destaque nacional, como alguns são conhecidos internacionalmente por seus trabalhos.

Elon Lages Lima (acima na foto), Manfredo Perdigâo (camisa vermelha) e Hilário Alencar

Manfredo Perdigão do Carmo, de 89 anos (à esquerda, de camisa vermelha), é membro da American Mathematical Society (Sociedade Americana de Matemática), teve livros didáticos usados pelas universidades de Harvard e Columbia, nos Estados Unidos, e ficou conhecido internacionalmente por seu trabalho em Geometria Diferencial. Doutor pela Universidade de Berkley, na Califórnia, recebeu em 1995 a Ordem Nacional do Mérito Científico, maior reconhecimento do governo brasileiro concedido a personalidades da Ciência.         

O alagoano Elon Lages Lima, de 87 anos (acima na foto), é PHD pela Universidade de Chicago, foi diretor por três vezes do Instituto Nacional de Matemática Aplicada (O IMPA, no Rio de Janeiro), e ganhou por duas vezes o Prêmio Jabuti. Conhecido por seus trabalhos em topologia diferencial, topologia algébrica, e geometria diferencial, levou o prêmio Anísio Teixeira do MEC e se tonou professor Honoris Causa de mais de seis universidades no país e no exterior (da Unicamp à Universidade Católica do Peru).

Hilário Alencar (à direita na parte abaixo da foto), atual presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, dá aulas no Instituto de Matemática da Ufal desde 1976, tem mais de 20 artigos publicados em revistas internacionais, é membro da Academia Brasileira de Ciências e, talvez, o mais importante: foi um dos coordenadores nacionais de um programa que está revolucionando o ensino de Matemática no país e em Alagoas, o mestrado profissional em Matemática em Rede Nacional, Profmat, que qualifica professores de Matemática da rede pública.     

E é exatamente a ponte entre essa tradição de grandes nomes da Matemática no Estado com educadores da rede pública que pode ajudar a mudar os indicadores de Educação de Alagoas. Sem necessidade de investimentos milionários. Ou planos mirabolantes de consultorias externas.

Quer um exemplo?

Na cidade de Branquinha, na Zona da Mata Alagoana, um professor municipal ajudou recentemente elevar o padrão das notas da rede pública graças a um programa de incentivo e preparação para os alunos disputarem a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP).

Em meio ao mestrado na Ufal, Cícero Rufino, morador da região, decidiu nadar contra a corrente comum do que era apenas uma obrigação no calendário nacional da Rede Pública, realizada sem preparação ou expectativa por parte dos professores – que alegavam que as dificuldades de aprendizado de suas turmas faziam com que já fosse difícil ensinar o currículo obrigatório da grade, quanto mais a preparação dos alunos para solução de problemas com um nível de complexidade maior.

Com apoio da Prefeitura da Cidade, ele foi liberado da grade normal de aulas, em 2015, para coordenar seu projeto de preparação dos alunos para a Olimpíada em 13 escolas municipais, incluindo uma programação de aulas extras para os alunos praticarem exercícios e tirarem dúvidas.

O resultado foi surpreendente: em apenas dois anos, além dos alunos da rede municipal de Branquinha terem conquistado ano passado duas medalhas inéditas e seis menções honrosas na edição da Olimpíada de Matemáticas das Escolas Públicas, o Ideb da cidade saltou de 3 para 3,5 nos últimos.

Cícero Rufino (camisa polo azul) ao lado de alunos medalhistas em Branquinha

“Professores como Cícero Rufino precisam ser mais reconhecidos para que experiências como essa sejam replicadas em todo o Estado”, diz Krerley Oliveira, professor do Instituto de Matemática da Ufal com pós-doutorado na Universidade de Paris, e um dos representantes da nova geração de matemáticos alagoanos com destaque nacional e até no exterior. (Um projeto de Matemática do qual ele fez parte com pesquisadores brasileiros franceses levou ano passado o maior prêmio científico da França, o Grand Prix Scientifique Louis D).

Mais do que um matemático conceituado, Krerley, que ensina na Ufal desde 2003, fala de projetos como o de Rufino com a familiaridade de quem conhece de perto os desafios do ensino fundamental e médio. Sua mãe comanda dois colégios no bairro do Benedito Bentes (Colégio Fantástico e Centro de Ensino Porto Seguro), onde ele também cursou o ensino fundamental. Ele lembra que além de Rufino em Branquinha, outros professores da rede municipal, como Adriano Valeriano da Silva e Claudiene Monteiro dos Santos, em Coité do Noia, também foram destaque na OBMEP.   “Enquanto a burocracia estadual impedir a implantação de um sistema que premie, inclusive com verbas extras, iniciativas como a desses professores, não haverá mudança qualitativa em nossos indicadores educacionais”.

Em Branquinha, o próprio professor Rufino, que criou na cidade uma Olimpíada Municipal de Matemática, diz que encontrou dificuldades para estender o projeto para escolas da rede estadual, onde ele também ensina. “Para implantarmos o programa, precisamos contar com recursos como transporte e alimentação dos alunos para aulas extras de Matemática”, diz o professor. “E, dentro da estrutura estadual, é bem mais complexo conseguir esse tipo de apoio”.

Ainda que não sejam devidamente reconhecidos por aqui, iniciativas como a dos professores de Branquinha e de Coité do Nóia começam a ganhar projeção nacional. No início de abril, essas iniciativas foram tema na Folha de São Paulo da coluna do matemático Marcelo Viana (assinantes da Folha podem ler artigo aqui).

“Se o Estado criasse um programa com ajuda de professores assim em todos os municípios do Estado, imagine o impacto que teríamos nos indicadores de Educação de Alagoas?”, diz Krerley Oliveira. O professor da Ufal lembra que a maioria dos matemáticos do Estado que seguiram carreira na área foram, afinal, também inspirados por professores ainda no ensino médio. O próprio Krerley lembra como as aulas do falecido professor Edmilson Pontes, em meados da década de 1990, foram essenciais para que ele próprio participasse das Olimpíadas de Matemática à época, assim como na formação de outros professores de destaque na Ufal, como o matemático Marcos Petrúcio. Como já lembrou também o próprio veterano Elon Lages Lima, em seu livro Meu Professor de Matemática e Outras Histórias, um dos maiores influenciadores dele e de outros matemáticos nas décadas de 1940 e 1950 em Maceió foi o professor Benedito de Morais, que o ensinou no Colégio Batista e deu início a uma verdadeira projeção de grandes nomes da Matemática no Estado.

Professor da Ufal Krerley Oliveira e Fernando Codá

Atualmente, o mais famoso matemático da nova geração oriundo do Estado é Fernando Codá, conhecido mundialmente após solucionar a Conjectura de Willmore, um dos mais desafiadores problemas da geometria, em parceria com o matemático português André Neves. (Em dezembro de 2013, Codá foi tema de um perfil na revista Piauí que ressaltou grande número de alagoanos com destaque na área). Apesar de ter nascido em São Carlos (SP) durante o mestrado dos pais na cidade, Codá cresceu e estudou em Maceió, onde entrou no curso de Engenharia da Ufal em primeiro lugar no vestibular, mas logo seria indicado por professores da UFAL para continuar seus estudos no Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), no Rio de Janeiro, onde se consagraria como um dos grandes matemáticos do país – e agora do mundo, após a solução do problema que lhe rendeu convites para ensinar nas mais renomadas universidades estrangeiras, tendo escolhido a Universidade de Princeton, em Nova Jérsei, Estados Unidos.

Com um pouco de pragmatismo, quem sabe o Estado e a Prefeitura de Maceió não possam se inspirar na história de Codá, hoje em Princeton, ou de Rufino, em Branquinha, para descobrirem que com menos blá-blá-blá discursivo (“Educação como prioridade”) e mais ações concretas é possível, sim, resolver de forma bem mais simples a equação pendente e negativa da Educação em Alagoas. 

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