“Grotas de Maceió podem, sim, se tornar referência em urbanismo”, diz arquiteto que mudou Medellín
Agendaa 11 de junho de 2018
por Rodrigo Cavalcante
Imagine como algumas lideranças de Alagoas reagiriam caso o Estado ou a Prefeitura decidissem erguer o mais belo, caro, arrojado e tecnológico museu de Ciência da cidade em um bairro fora da vitrine turística de nossa capital como, por exemplo, o Jacintinho.
Foi com intervenções arquitetônicas e urbanísticas ousadas nas fronteiras de bairros que conectam a cidade com a periferia que o arquiteto Alejandro Echeverri ajudou a criar em Medellín, na Colômbia, espaços de convivência e conexão urbana que resgataran a autoestima e a qualidade de vida em regiões até então conhecidas pelos maiores índices de violência do mundo.
Após apresentar os projetos de Medellín no Dia da ONU, terça passada, evento realizado em parceria com o Governo do Estado, o arquiteto falou com AGENDA A sobre como nosso Estado poderia, por exemplo, transformar as grotas de Maceió em exemplos de bom urbanismo e harmonia com a natureza que podem, no futuro, ser ponto de referência para os turistas que desembarcam em Alagoas.
AGENDA A: Você costuma dizer que o primeiro passo para mudar a realidade de uma cidade é dar visibilidade aos bairros periféricos “escondidos” para quem mora nas áreas mais privilegiadas. Qual o meio mais eficaz para conseguir isso?
Alejandro Echeverri: Sim, essa tarefa é a mais importante porque não se pode mudar uma realidade sem conhecê-la. E boa parte das pessoas, inclusive lideranças políticas, não conhecem, de fato, as chamadas “quebradas” de uma cidade a não ser em período de eleições. Para dar visibilidade a essas áreas, além de uma intervenção arquitetônica e urbanística que crie espaços atraentes, é preciso também dar visibilidade à cultura local. Em Medellín, por exemplo, a música urbana, o hip-hop e programas de rádio que deram voz aos moradores foram essenciais. É um trabalho conjunto de valorização da identidade e da cultura local. Sempre nos preocupamos em aumentar a autoestima e a confiança dos moradores e acreditamos que a estética e o bom design também ajudam muito no aspecto mental, não apenas no físico. Na verdade, trata-se de uma integração entre os aspectos arquitetônicos e culturais, resumidos, por exemplo, na construção de parques biblioteca e do Museu Parque Explora (com aquário e planetário). A cultura e a educação foram o foco por trás de toda a transformação física, incluindo a reforma e a construção de escolas para o envolvimento das comunidades.
Apesar do sucesso das intervenções em Medellín, o ex-prefeito da cidade que liderou essas mudanças, Sérgio Fajardo, não foi ao segundo turno na atual eleição presidencial na Colômbia. Por que essas ideias nem sempre são bem aceitas pela política tradicional?
Em primeiro lugar, é bom lembrar que o grupo político liderado por Sérgio Fajardo não foi ao segundo turno por uma diferença de pouco mais de 1%. Infelizmente, na Colômbia, assim como no Brasil e outros países da América Latina, vivemos um momento de acentuada polarização. Na Colômbia, tudo indica que a extrema direita irá vencer. A polarização inviabiliza a construção de um espaço político de alianças para realização de transformações sociais concretas. Em Medellín, ao menos, apesar das mudanças de gestão, as transformações na cidade deixaram um legado que até hoje é seguido, com diferenças de ênfase, por vários gestores. Mas a política é complexa e imprevisível. E, nos momentos de insegurança e incerteza, o discurso do medo incitado pela extrema direita tende a ganhar mais espaço.
O grupo do qual você fez parte, contudo, costuma ser identificado como nem de direita, nem de esquerda, mas no centro do espectro político. E o próprio Sérgio Farjado era um matemático de prestígio e não um político antes de tentar se eleger. Como se deu o ingresso desse grupo na política?
O momento em que Medellín vivia era único porque lá a violência do narcotráfico nos anos 1990 foi um fenômeno que atingiu a todos. Difícil encontrar uma família que não tivesse sido atingida de perto pela violência. Isso abriu espaço para que um grupo de pessoas egressas de diversos setores decidisse se arriscar na política porque já não queriam apenas dizer o que precisava ser feito, queriam realizar essas mudanças. Esse é o caso do Sérgio Fajardo que, até então, era um matemático com PHD respeitado na academia que também tinha uma coluna respeitada na imprensa onde pregava novas ideias. Apesar de ter perdido sua primeira eleição para prefeito de Medellín na sua primeira disputa, ele teve uma boa votação e finamente se elegeu em 2003 liderando um grupo de especialistas nas mais diversas áreas. Independentemente das etiquetas políticas, o mais importante era que todos tivessem competência e alta sensibilidade social. Acredito também que o setor privado de Antioquia (Estado onde está localizado Medellín), de certa forma, é uma exceção na Colômbia por ter, talvez, uma maior sensibilidade aos problemas sociais e uma maior capacidade de agregação. Ainda assim, claro, foi um processo muito complexo que, contado hoje, parece mais fácil do que foi.
Qual foi sua primeira impressão de Maceió e o que você acredita que é possível fazer para mudar a vida nas grotas da cidade?
Ainda irei conhecer de perto as grotas da cidade. Mas acredito que Alagoas tem, sim, uma oportunidade de se tornar referência em projetos que integrem as questões sociais às ambientais, já que a geografia local é marcada por cursos d´água e imensas lagoas. E isso faz com que seja possível pensar na criação de parques e corredores verdes que não apenas melhorem a vida de quem mora nas áreas mais pobres, como também proteja as margens dos córregos que deságuam nessas lagoas. Enfim, por que não pensar em projetos que cuidem das pessoas e preservem a biodiversidade e a qualidade da água que termina sendo um elemento de conectividade natural da cidade? Se isso for feito, daqui a 15 ou 20 anos, tenho certeza de que algumas dessas áreas poderão se tornar pontos de referência para os turistas, como se dá em áreas de Medellín.
Há alguma chance concreta de que seu escritório de urbanismo venha a traçar projetos para Maceió?
Tenho maior interesse e vontade de contribuir com nossa experiência e trabalho de equipe, em parceria com a equipe do projeto habitat, da ONU, para que Alagoas consiga transformar suas grotas numa referência não apenas para o Estado, mas para o mundo inteiro. Mas, por enquanto, estamos ainda conhecendo o projeto e essa possibilidade será discutida em conjunto em outro momento.