AGENDA A IDEIAS: `O verdadeiro marco referencial de Maceió`

Agendaa 17 de agosto de 2014

por Rodrigo Cavalcante*

Quando algo começa errado, difícil terminar bem. Mas quando trata-se de dinheiro público, não custa nada tentar.

Este pode ser o caso do projeto do marco referencial sobre as ruínas do velho Alagoinhas Iate Clube.

Estranhamente, o projeto nasceu pronto.

Não houve discussão pública sobre a melhor alternativa para o local, nenhum concurso aberto a arquitetos para a escolha de melhores projetos (como se faz em qualquer lugar civilizado), nem sequer o novo prefeito da cidade, Rui Palmeira, foi ouvido – e tampouco viu utilidade em se gastar mais de R$ 18 milhões na obra. O mais estranho é que, mesmo tendo sido apresentado aos maceioenses já empacotado e sem discussão, houve quem encarasse as primeiras reações contrárias (naturais) ao projeto como fruto de uma cultura derrotista dos alagoanos, quase como se se tratassem de crianças birrentas que recusam um Mc Lanche Feliz.

Ok, não se trata apenas de questionar a prioridade ou o valor de uma obra em uma capital carente de escolas, hospitais e postos de saúde. É legítimo que se defenda um projeto turístico com base na previsão de retorno do investimento em novos visitantes, empregos e negócios (e, como bem lembrou a atriz Fernanda Montenegro, quando um político diz que cultura não é prioridade em um país onde há gente passando fome, em geral permanece-se com fome e sem cultura).

Tampouco a polêmica deve se reduzir à concepção estética do projeto. Apesar de uma personalidade como o escritor Carlito Lima denunciar que o desenho atual lembra um arremedo de arranha céu de Dubai, haverá sempre quem prefira os prédios de Dubai a outros projetos locais bem integrados à nossa paisagem – como, por exemplo, o do Kenoa Resort, na Barra de São Miguel, do alagoano Oswaldo Tenório. Há até os que defendem a restauração do velho Alagoinhas, encarado como um patrimônio na paisagem de Maceió.   

Em meio a tantas visões diferentes sobre o melhor marco referencial para a Ponta Verde, para onde deveríamos olhar para destravar o debate?

Provavelmente, para o mar.

Ainda que nem sempre se olhe com atenção, é difícil negar que o grande marco referencial do Alagoinhas é o aquário a céu aberto formado por arrecifes e cercado por algas, crustáceos, moluscos, peixes e outras espécies de vida marinha. Afinal, em que outra cidade do Brasil e do mundo pode-se atravessar a rua em plena orla urbana para ver esse verdadeiro parque marinho natural?

Partindo desta premissa – de que o nosso verdadeiro marco referencial é nosso parque marinho natural – fica bem mais fácil definir o que se deve fazer por lá. Assim como em parques florestais no mundo inteiro, qualquer intervenção arquitetônica pensada para uma área de preservação precisa ser projetada com o cuidado de integrar-se bem (e de preferência discretamente) à paisagem, servindo apenas como um ponto de partida para a visitação com o suporte de guias e educadores ambientais. Não faltaria gente disposta a propor soluções inovadoras e inteligentes que permitissem o acesso de visitantes minimizando os impactos ambientais, como pontes de madeira semelhantes às usadas em arvorismo, píeres com material transparente para se ver o fundo do mar, enfim, alternativas que não agridam nem a paisagem e nem a vida marinha.

E para escolher o melhor projeto, nada melhor do que descartar provincianismos estreitos e realizar um concurso público aberto a arquitetos e projetistas de todo o país – e, por que não, do exterior. Imagine o retorno que a cidade de Maceió teria em divulgação turística ao anunciar a realização de um concurso internacional para a criação do marco referencial da mais bela orla urbana da Costa dos Corais do Brasil? Ainda mais, por exemplo, se a escolha do projeto fosse realizada por um júri de personalidades de peso do mundo da Arquitetura e da Biologia Marinha, complementada por uma votação popular via Internet e redes sociais.

Enfim, é perfeitamente possível pensar grande e gastar pouco para Maceió ter um projeto que seja, de fato, um marco referencial não apenas turístico, mas também de referência em lazer e educação ambiental. Um marco que projete o fato de que somos uma cidade atlântica com uma orla urbana cercada de recursos naturais que – como lembrou o oceanógrafo Jean-Michel Cousteau, em visita ao Estado em maio deste ano – tem um imenso potencial para ser explorada de maneira sustentável.

Desde que, claro, não se perca de vista (e a vista) do mar — nosso verdadeiro marco referencial. 

*Rodrigo Cavalcante é editor do AGENDA A


 


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