AGENDA A IDEIAS: ‘Como Alagoas pode livrar-se de seu complexo de inferioridade’

Agendaa 24 de agosto de 2014

Não dá para negar.

As cenas do enterro de Eduardo Campos em Recife mexeram com a autoestima dos alagoanos. Ricardo Mota foi o primeiro a lembrar em seu blog como nossos vizinhos empunharam com orgulho e espontaneidade a bandeira daquele Estado – enquanto em Alagoas, as centenas de bandeiras que tremulam nos finais de semana costumam ser somente as de candidatos por gente paga para isso.

Se a (má) política local em horário nobre nacional foi a principal responsável, nas últimas décadas, por nosso baixo amor-próprio, a reação bipolar de boa parte dos alagoanos tampouco tem ajudado a mudar esse sentimento. Ora reage-se achincalhando ainda mais o Estado, como se fôssemos incapazes de mudar nosso destino (complexo de inferioridade). Ora reage-se atacando de preconceituosos os que apontam o dedo para os nossos políticos corruptos lembrando dos grandes vultos da ‘Terra dos Marechais’ (complexo de superioridade). Na prática, os dois complexos são sintomas da mesma insegurança de quem se sente acuado e inseguro diante da própria imagem.

Se o quadro político não sinaliza grandes mudanças a curto prazo em Alagoas – ainda mais quando parte da sociedade parece ter como hobby criticar os políticos nos bastidores e tratá-los com condescendência pessoalmente, de olho em favores –, isso por si não seria suficiente para explicar a falta de amor próprio do alagoano. Até por que, no momento em que este artigo está sendo escrito, pesquisas apontam a vitória de Anthony Garotinho ao governo do Rio de Janeiro e tudo indica que o irreverente Tiririca será o deputado federal mais votado em São Paulo.

Se as mudanças políticas, com muito esforço, só virão lentamente (ainda mais dentro das atuais regras), o que mais os alagoanos podem fazer para resgatar o amor por si?

Um bom começo, como sabe qualquer terapeuta, é fazer as pazes com sua própria história.

Arriscaria dizer que o que mais distingue a sociedade (e a elite econômica) de Pernambuco da alagoana seja a profunda ligação dos nossos vizinhos com suas referências históricas, culturais e urbanas, algo de que as novas gerações de alagoanos parecem completamente desconectadas.

Bom exemplo disso é a diferença da relação do papel do Centro de Recife para o pernambucano em relação ao Centro de Maceió para o alagoano. Ainda que não seja mais o centro financeiro e comercial da cidade, o Centro da capital pernambucana continua preservando pontos de referência que se mantêm vivos há mais de cem anos – como, por exemplo, o Restaurante Leite, um dos mais antigos do país, que continua firme e forte atendendo seus fregueses desde 1882. Por lá passaram várias gerações de intelectuais, escritores e políticos, de Joaquim Nabuco a Gilberto Freyre, de Assis Chateaubriand a Juscelino Kubitschek.

Em Maceió, por volta de 1935, também era possível encontrar no Centro uma roda de personalidades como Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge de Lima, Raquel de Queiroz. Mas como não há nenhuma indicação da presença deles por lá (assim como não sobreviveu nenhum estabelecimento tradicional da época, como o restaurante Colombo ou a Helvética), o alagoano da nova geração precisaria ter poderes mediúnicos para saber onde eles se costumavam reunir. Tampouco parece haver interesse dos empreendedores privados em se associar mais à história urbana da cidade – enquanto em Recife, por exemplo, investidores chegaram a transformar uma velha alfândega em um shopping com a fachada preservada.

Do Porto de Jaraguá (onde desembarcaram as tropas em direção à Pernambuco na luta contra os holandeses) à Catedral (cuja inauguração em 1859 contou com a presença do imperador Dom Pedro II), a região central de Maceió está cheia de histórias fascinantes. Mas como fazer com que as novas gerações se deliciem com essas histórias sem atraí-las com referências visuais e espaços que recontem esses fatos de uma maneira criativa?

Difícil amar o que não se conhece.

Enquanto o alagoano não conseguir se reconectar com o passado, provavelmente conhecerá mais sobre as igrejas de Olinda e de Ouro Preto do que as de Penedo e Marechal, mais sobre as serras de Gravatá do que as de Mar Vermelho, mais sobre as estátuas e deuses da mitologia grega do que as da rica (e viva) mitologia dos Orixás.

A boa notícia é que já tem muita gente no Estado, cada uma em sua área, fazendo esse trabalho. Na moda (de Vera Arruda até uma nova geração de designers e estilistas inspirados na terra), na gastronomia (das irmãs Rocha aos novos chefs que revalorizaram os ingredientes regionais), nos festivais de Cultura (do trabalho de Vinicius Palmeira, na Prefeitura de Maceió, ao de Carlito Lima, em Marechal), nos museus e espaços de memória (do trabalho do IPHAN e IHGA ao de agências como a Núcleo Zero, que mudaram a cara das exposições no Estado), na revalorização da história das religiões de matriz africana (do trabalho de pesquisadores como Sávio Almeida, Edson Bezerra e Bruno Cavalcanti), na valorização do carnaval (dos fundadores do Pinto da Madrugada aos novos blocos que surgem a cada ano), – só para citar algumas iniciativas de gente que sabe que, quanto mais o alagoano conhecer sua história, mais gostará de si.

E o melhor de tudo é que, quem gosta de si, termina se tornando bem mais seguro e altivo para dizer não quando necessário – inclusive para aqueles acostumados a comprar um sim em períodos eleitorais.  

E aí, quem sabe um dia…

 

*Rodrigo Cavalcante é editor do AGENDA A

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