Alagoano que peitou ditadura e foi um dos maiores repórteres do país é homenageado na Flipontal

Agendaa 30 de agosto de 2017

por Rodrigo Cavalcante

60,5 anos. Essa era a expectativa média de vida do brasileiro em 1974.

Aos 45 anos completados naquele ano, em São Paulo, o alagoano Audálio Dantas estava prestes a encerrar a carreira como um dos maiores repórteres do país.

De 1954 a 1974, Audálio, homenageado nesta semana na Festa Literária do Pontal (que abre nesta quarta, veja programação abaixo), assinou algumas das mais marcantes reportagens da imprensa em veículos como a Folha da Manhã, do Grupo Folha, em O Cruzeiro, fundada por Assis Chateaubriand, e nas então recém-lançadas Realidade, Veja e Quatro Rodas, da Editora Abril.

Como repórter, cobriu a chegada de energia ao Sertão com a inauguração da hidrelétrica de Paulo Afonso. A miséria, maus tratos e mau cheiro do então Hospital Psiquiátrico do Juqueri, verdadeiro campo de concentração. O início de grandes obras como a da barragem que submergiu o povoado de Canudos fundado por Antônio Conselheiro. Acompanhou concursos bizarros de resistência (pré-realities shows) como uma maratona carnavalesca em que foliões tinham que permanecer dançando de sábado a terça-feira de Carnaval. Descreveu o surgimento de novas metrópoles como Belo Horizonte e a revolução de costumes da tradicional família mineira. Narrou o surgimento das primeiras favelas de São Paulo e, em uma delas, descobriu a escritora Carolina de Jesus, cujos diários compilou mais tarde no livro Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, traduzido em 13 idiomas e publicado em 40 países.

O que mais um repórter poderia alcançar?

Em vez de acomodar-se em cargos burocráticos de chefia em redações, Audálio aceitou um novo desafio que dá início a uma nova (e arriscada) fase de vida: assume a presidência do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo em um dos momentos mais violentos do regime militar.

A nova vida seria logo assombrada por uma morte. Na verdade, um assassinato: a do diretor de jornalismo da TV Cultura, Vladimir Herzog, torturado nas instalações Doi-Codi, em São Paulo – cuja imagem forjada de um falso suicídio por enforcamento com uma tira de pano chocou o país.

Em retrospectiva, é fácil, hoje, constatar que a grande repercussão provocada pela morte de Herzog foi decisiva para o início do fim do governo militar.

Essa repercussão, contudo, não se deu naturalmente.

Foi provocada por meio de decisões arriscadas como a de Audálio e de outros dirigentes do sindicato em lançar um comunicado responsabilizando publicamente os militares pela morte do jornalista e convidando todos para o enterro.

Enterro que, dias depois, culminou na reunião de 8 mil pessoas na Praça da Sé no ato inter-religioso celebrado por Dom Evaristo Arns e pelo rabino Henry Sobel.

A liderança de Audálio logo fez com que o alagoano conquistasse respeito e admiração não apenas dos colegas jornalistas, como de lideranças políticas e artistas da época, como Elis Regina, por exemplo, cuja proximidade fez o alagoano figurar na gravação em que a cantora fez dueta com Adoniran Barbosa (veja vídeo abaixo).

Rendeu também a Audálio a eleição a deputado Federal por São Paulo, em 1978, pelo extinto MDB – numa época em que ainda era possível se eleger sem dinheiro. Em 1981, já conhecido até no exterior como “o jornalista que peitou a ditadura na morte de Herzog”, Audálio recebeu da ONU o Prêmio Kenneth David Kaunda de Humanismo.

“A repercussão internacional do episódio acabou por obscurecer uma faceta desse alagoano que levou os brasileiros a darem um basta à tortura e ao ‘desparecimento’ de presos políticos no Brasil: a do grande repórter”, lembrou um dos fãs dos textos de Audálio, o jornalista e escritor Fernando Morais (autor de Chatô, O Rei do Brasil), no prefácio do livro O Tempo de Reportagem, que reúne algumas dos melhores textos da imprensa  do alagoano.

E quando Audálio decidiu escrever sua visão sobre o caso Herzog no livro As Duas Guerras de Vlado Herzog, o resultado foi nada menos do que o Prêmio Jabuti do melhor livro do ano de não ficção em 2016.

Além de participar da abertura na Flipontal nesta quarta, Audálio concederá uma entrevista no palco próxima sexta (1/07) aos jornalistas Mário Lima, Bleine Oliveira, Maria Goretti e Rodrigo Cavalcante, editor do AGENDA A.

Confira programação completa da 1ª Festa Literária do Pontal liderada pelo escritor Carlito Lima no site da Flipontal aqui.

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