50 anos da “Passeata dos Cem Mil”: o dia em que um alagoano liderou a manifestação que abalou o Brasil

Agendaa 26 de junho de 2018

por Rodrigo Cavalcante

Manhã de 26 de junho de 1968.

Na Cinelândia, mães, artistas, intelectuais, professores, políticos, operários e religiosos chegavam ao local marcado para a concentração da grande passeata contra a violenta repressão dos militares aos estudantes – que havia resultado na morte do estudante Edson Luís, de apenas 18 anos, numa invasão do restaurante Calabouço.

Às 11h da manhã, após uma série de discursos de populares e líderes políticos, chega à praça lotada em frente à Assembleia Legislativa do Rio o alagoano Vladimir Palmeira, então presidente da União Metropolitana dos Estudantes (UME), protegido por um esquema de segurança montado pelos próprios estudantes.

Filho do senador alagoano pela UDN, Rui Soares Palmeira, e irmão do ex-governador de Alagoas Guilherme Palmeira, que mais tarde seguiria carreira política em Alagoas pelo partido do governo (e é pai do atual prefeito de Maceió Rui Palmeira), Vladimir já era conhecido como um dos maiores líderes estudantis e opositores do regime militar no Brasil.

E, naquela manhã,  teve a chance de liderar a manifestação conhecida mais tarde  como a “Passeata dos Cem Mil”, considerada a maior manifestação popular contra o regime militar até então.

Ao passar pela Candelária, o alagoano falou à multidão:

“Este lugar tem um significado muito grande para nós. Foi na Candelária que foi rezada a missa do estudante morto no Calabouço. Foi aqui que nós fomos massacrados pela cavalaria da polícia militar”, disse Palmeira. “Hoje é diferente. Prova de que a potencialidade de luta popular é maior do que as forças da repressão. Hoje damos uma demonstração de força e de fraqueza ao mesmo tempo. Temos força para retomar a praça, mas ainda não podemos tomar o poder que eles usurparam”.

Palmeira, contudo, pede aos estudantes que não aceitem provocações de policiais infiltrados na concentração. “Não quero quebra-quebra, nada de agitação. Eles querem baderna. Nós queremos outra coisa, muito diferente.”

Em meio à multidão, de mãos dadas, protestavam personalidades e artistas como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Edu Lobo, Nana Caymmi, Torquato Neto, Tônia Carrero, Paulo Autran, Antonio Pedro, Nélson Mota, Marieta Severo, Leonardo Vilar, Oscar Niemeyer, Clarice Lispector, Milton Nascimento, Chico Buarque, Norma Bengel, Odete Lara, Antônio Pedro, Ziraldo, Jaguar, Dias Gomes, Vinícius de Moraes, Glauber Rocha, Djanira, Carlos Scliar, Leandro Konder, Oduvaldo Viana Filho, Ferreira Gullar, Millor Fernandes, Antônio Pitanga…

“Era mais fácil registrar quem não estava do que quem estava lá”, disse em entrevista ao jornal recente o escritor Zuenir Ventura, autor de “1968, O Ano que Não Terminou”.

Para a maioria dos brasileiros, o ano terminaria, de fato, pior do que começou, com o decreto do Ato Institucional Número 5, que resultou na cassação de parlamentares contrários ao governo, no fechamento do Congresso e no endurecimento do regime militar que resultou no uso da tortura como instrumento do Estado.

Para Vladimir, que já estava preso definitivamente desde o Congresso da Une em outubro daquele ano, em Ibiúna, a 70 quilômetros de São Paulo, 1968 se encerraria ainda com a morte do pai, o Senador Rui Palmeira, no dia 16 de dezembro daquele ano.

Apesar de ter sido autorizado a visitar, escoltado, o pai em estado terminal no apartamento na Lagoa, pouco antes de morrer, Vladimir não teve autorização de vir a Maceió para o enterro do senador. Em setembro do ano seguinte, em meio às exigências dos sequestradores do embaixador americano Charles Elbrick, saiu da prisão direto para o exílio e morou os dez anos seguintes no México, em Cuba, no Chile e na Bélgica, onde formou-se em Ciências Econômicas, pela Universidade Livre de Bruxelas.

De volta ao Brasil em 1979, foi um dos fundadores do PT, partido pelo qual foi eleito mais de uma vez como deputado Federal, mas deixou o partido em 2011 no momento que o PT aceitou de volta Delúbio Soares, apontado como um dos mentores do esquema de compra de parlamentares chamado “Mensalão”.

Enquanto ex-colegas de partido de Vladimir Palmeira, como José Dirceu, foram condenados por suposta participação no “mensalão”, o fato é que o alagoano Vladimir jamais foi alvo de nenhuma acusação de corrupção e continua, aos 73 anos, no Rio de Janeiro, acompanhando de perto a política e escrevendo artigos em jornais onde continua defendendo seus pontos de vista com a independência que sempre prezou – como mais recentemente, por exemplo, em um artigo escrito em março deste ano em “O Globo”, no qual criticou o preconceito por parte da esquerda carioca contrária à intervenção militar no Rio.

“Vladimir sempre foi um líder nato cercado de amigos desde a infância e juventude, quando vinha passar férias em Maceió”, lembra o escritor Carlito Lima, amigo de Vladimir desde os anos 1960 que lembrou hoje nas redes sociais o papel dele na passeata.   

Veja vídeo abaixo com depoimentos do alagoano sobre o movimento no filme “Hércules 56” e leia mais depoimentos sobre a trajetória do dele e sobre o ano de 1968 no  site do próprio Vladimir aqui.